O Cinema Vivo na Memória

DR. ZEQUINHA

O doutor Zequinha, hoje com 89 anos, recorda com carinho as matinês do cinema  no antigo Teatro Centenário, onde também funcionava o cinema de sua época, década de 40. Um detalhe curioso de suas memórias foi o fato de que as películas dos filmes davam problemas frequentemente. O projetista, então, precisava cortar e emendar as fitas de rolo do filme, e os frames descartados desse corte, eram disputados pelas crianças, que os colecionavam como se fossem figurinhas de álbuns das estrelas de Hollywood. 

Sr. Alírio

O senhor Alírio que viveu a experiência do cinema no mesmo período, recordou com afeto que os filmes mudos eram acompanhados por uma orquestra que fazia, ao vivo, a sonorização da película e que os frequentadores tinham que levar as suas cadeiras para poder acompanhar os filmes. 

As moças do Colégio das Freiras são lembradas por Seu Alírio, Tia Binha e muitos outros. Elas movimentavam o cinema e a imaginação da juventude - “ a melhor juventude que já existiu na face da Terra”, como dizia Tia Binha. 

Enquanto Seu Alírio recordou com afeto que, no primeiro período, os filmes mudos eram acompanhados por uma orquestra que fazia, ao vivo, a sonorização da película, Tia Binha, num outro tempo, exclama “O filme é ascope e colorido de luxo!”.

 

 

Dácio Oliveira

Já o senhor Dácio Oliveira lembrou como eram gostosas e amenas as horas passadas no escurinho do cinema e do orgulho que o cidadão caetiteense tinha daquele espaço, mais tarde tristemente demolido.

 

 Essas vivências ilustram como o cinema não era apenas entretenimento, mas também enlaces de memórias e brincadeiras da infância de uma geração orgulhosa das várias formas culturais disponíveis ao cidadão naquela época.

Tia Binha

Nubia Zélia Carvalho Teixeira, carinhosamente conhecida como Tia Binha, é uma figura icônica em Caetité. Seu sorriso e alegria são suas marcas registradas, assim como sua paixão pela cidade que a viu nascer. Essa devoção ficou evidente logo na introdução da entrevista que ela concedeu à equipe da exposição "Um Cine Chamado Vitória", realizada nesta quinta-feira, 4 de outubro de 2024, em sua casa na Rua Barão de Caetité.

Tia Binha compartilhou detalhes sobre o Cine Vitória e reminiscências da vida em Caetité na década de 60. Ela recordou com nostalgia do sistema de autofalantes que anunciava as sessões semanais de filmes, embalada por músicas de Billy Vaughn, como “La Paloma”, além de trechos de “Moendo Café” de Polly e Seu Conjunto.

A relação de Tia Binha com o Cine Vitória ia além da afinidade cultural; era também profundamente pessoal. Sua mãe era comadre de Dona Maria Pinho. Em suas visitas à comadre, Tia Binha recorda que sua mãe recebia uma série de bilhetes que garantiam entradas para várias sessões. 

Desse passado, ficaram as lembranças de Caetité e o gosto de Tia Binha por Elvis Presley e cinema. Foram muitos os filmes do Rei do Rock que ela viu. Já o gosto pelo cinema ela alimentou com uma Câmera Super 8 onde filmava os momentos íntimos da família. Hoje, esse equipamento valioso e uma coleção de vinis de Elvis, além de outros grandes ícones da música, como Roberto Carlos, adornam sua casa, servindo como lembranças vivas de um tempo que Tia Binha guarda com carinho na memória.

Chico Nelson

No mês de julho, no intervalo entre uma atividade e outra, Chico Nelson, que atualmente reside em Salvador, recebeu a equipe da exposição “Um Cine Chamado Vitória” na casa de sua mãe, dona Yeda. 

O bate-papo abordou temas como cinema, memória e história, enriquecido pela participação de dona Yeda, que compartilhou suas lembranças do dia 11 de setembro de 1950. Nesse fatídico dia, um acidente de aviação vitimou Guilherme de Castro, Gersino Coelho (pai de Nilo Coelho) e o então candidato ao governo da Bahia, Lauro de Freitas. 

Chico, por sua vez, recordou o pioneirismo de Caetité nas artes, especialmente no teatro e cinema, e fez uma reflexão profunda e tocante sobre como a cidade de Caetité sempre respirou ares criativos, abraçando novas formas de expressão artística, e se tornando um agente de transformação social no interior da Bahia. Ele ressaltou o nome de figuras locais, que ao longo da história, desafiaram convenções e criaram espaços para o diálogo cultural. A conversa poderia durar horas, mas encerrou com Chico informando que está escrevendo um livro de memórias.

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Maria Pinho de Castro, uma dama no cinema

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“Parabéns à D. Maria Pinho de Castro, progressista que tem sabido vencer palmo a palmo todas as dificuldades, para nos apresentar coisa eficiente que honra Caetité, e satisfaz francamente às exigências do meio. Que todos visitem o Cine Vitória para experimentarem momentos de grande prazer, num âmbito da sã moralidade e respeito.” (Jornal O dever 18/06/1958 APMC)

1919

Nasce no dia 16 de maio, em Caculé- Bahia, Maria Pinho de Castro, filha de Francisco Pinho e Benícia da Silva Pinho. Seu pai era um próspero lojista e fazendeiro.  Maria era a filha mais velha de 8 irmãos. Passou toda sua infância em Caculé, onde fez os cursos infantil e primário.

1934

Aos 15 anos foi estudar em Caetité-Bahia, onde concluiu o curso Normal, e também conheceu o seu grande amor e futuro marido Guilherme Brandão de Castro. Guilherme era descendente da vasta família dos Castro, era filho de Antônio Pereira de Castro (Totó) e Maria Amélia Brandão de Castro.

1939

Após algum tempo de namoro e noivado, casaram-se no dia 02 de junho, em sua terra natal Caculé, ele com 26 anos e ela com 20 anos.  Fixaram residência em Caetité onde nasceram os 7 filhos do casal.

1945

Seu esposo, Guilherme de Castro, transforma o Teatro Centenário num Cine-Teatro em sociedade com um certo Capitão Mesquita, numa combinação acertada com a prefeitura e com as facilidades empresariais na capital, é inaugurando com o nome de “Cine Vitória.”

1950

Maria Pinho perde seu esposo, Guilherme ,  num acidente aéreo, no dia  11 de setembro, em Bom Jesus da Lapa, quando  pilotava o seu avião em campanha política do seu correligionário, candidato a governador do estado da Bahia naquele ano eleitoral, Lauro Ferani de Freitas. Ficando então viúva com 7 filhos menores e grávida do 8º, que vem a perder, em decorrência do choque pela trágica morte do esposo.  

O Corpo de Guilherme foi velado em Câmara ardente (cerimonial fúnebre) na sede do “Aeroclube”, na praça da catedral, sob forte comoção.  

Maria Pinho com a ajuda do seu irmão mais novo (Walter Pinho) na educação dos filhos, assumiu todos os empreendimentos deixados pelo esposo.

1951

Os dois filhos mais velhos, Marcílio e Maria Antonieta (Niêta) vão para capital prosseguirem com os estudos. Ele  interno do Colégio Antônio Vieira e ela, interna do Colégio das Sacramentinas. A família transfere residência para Praça da Catedral nº 3.(inserir a foto da casa). 

Os políticos da época (UDN), adversários políticos do falecido marido (PSD), rompem o contrato com o Cine Vitória e, manda recado para a viúva Maria Pinho de Castro, que retirassem imediatamente os equipamentos do cinema que funcionavam no Teatro. Eram poltronas, tela, o conjunto motor-gerador e os aparelhos projetores de 35 mm. 

Tristemente foram colocadas em Praça Pública as poltronas do cinema. A viúva com ajuda de familiares, providencia um local apropriado para guardar as poltronas.

Assim, triste e melancolicamente, dá-se o fim da 1a. Era do Cine Vitória.

1952

Maria Pinho dá continuidade, com muito esforço, à empresa que geria os negócios do marido  sob o nome de  “Viúva Guilherme de Castro”.

1953

Adquire na Rua Barão de Caetité um antigo casarão  (inserir a foto do local)  e  constrói a sede própria do “Novo Cine Vitória”.

1954

É inaugurado na Rua Barão de Caetité o Novo Cine Vitória! Sucesso Total! Prédio próprio, um salão com capacidade para 380 espectadores. Cerca de 200 pessoas o frequentavam diariamente.  os filmes iam de trem até Brumado e de lá para Caetité   através dos caminhões de carga e ônibus.  E o cinema exibia um inédito a cada dia.    

Neste ano, nos Estados Unidos  é inaugurado  uma grande novidade   na cinematografia,  o cinemaScope.  O CinemaScope foi uma tecnologia de filmagem e projeção que utilizava lentes anamórficas criada pelo presidente da Twentieth Century Fox

1956

No dia 09 de janeiro um  Festival é  exibido no cine Vitória  em prol ao plano de remodelação do Aero Clube.

1957

O Teatro Centenário volta a ser cinema. Com o apoio dos  mandatários políticos da cidade, um comerciante milionário local, conhecido como Sr. Zuza,  concorrente da viúva nas atividades comerciais, instala outra sala de cinema, o “Cine Caetité”. Caetité passa a ter 2 opções de lazer cinematográficas.  

O Cine Vitória interrompe suas atividades para reformas e adaptação para receber as novas tecnologias do cinema, tendo suas  obras civis  finalizadas,  é reinaugurado no dia 22 de setembro, ainda sem o cinemascope.

1958

Com a chegada dos novos equipamentos,  técnicos e especialista para montagem do novo sistema, em 5 de maio é inaugurado o CINEMASCOPE no Cine Vitória  com o Filme “A viúva negra”. 

Em agosto deste ano ocorre o trágico acidente de Maria Antonieta, filha mais velha de D. Maria Pinho, em Salvador Bahia, quando um lotação perde o freio na Av. Princesa Leopoldina colidindo contra um poste. A estudante apavorada salta do ônibus, batendo com a cabeça na calçada, provocando um grave traumatismo craniano. D Maria Pinho parte para capital, para acompanhar a filha, onde permanece  por  longo tempo, deixando seus filhos mais novos aos cuidados de parentes e amigos em Caetité.

O caso “Nieta” abala a cidade de Caetité e Salvador,  noticiado pela imprensa baiana e veículos de comunicação nacional como a revista O Cruzeiro, que publicou uma longa reportagem sobre o fato. A população, comovida, junto aos familiares, pedia  em fervorosas orações pela vida da estudante.

1959

Em março morre  Maria Antonieta,  em Salvador, depois de 7 meses em estado de coma. Com a morte de Niêta, em março de 1959,   seu filho Marcílio retorna à  Caetité,   indo trabalhar no Banco do Brasil e junto a  Marcelo, seu irmão,  passaram a  administrar o Cine Vitória. As irmãs  Maria Solange  e Maria Lígia vão dar continuidade aos estudos em Salvador e no Rio de Janeiro.

Neste ano uma longa  pane elétrica,  em Caetité,  coloca a cidade as escuras por  100 dias, o  cinema  fecha  por 3 meses;  D. Maria Pinho resolve então,  adquirir um grupo gerador  próprio garantindo a continuidade do seu cinema.

1963

Seu filho caçula, Marcelo decide  partir  para Salvador e seguir  carreira de arquiteto,  seguindo as   irmãs que  já haviam partido anteriormente. 

1965

Maria Amélia vai estudar em Curitiba,  retornando à Salvador um ano depois para prestar  vestibular. Com as saída das filhas e  do filho Marcelo,  D.  Maria Pinho, já desmotivada e sozinha, resolve acompanhar os filhos Márcia e Marcílio e parte,  definitivamente, de Caetité rumo ao Rio de Janeiro onde permanece por alguns anos.

Ao passar uma férias em S. Paulo com sua caçula Maria Márcia, que trabalhava na Transbrasil,  D. Maria Pinho cai de amores pela cidade, onde permanece por 10 anos.  Ao retornar à  Salvador  reside  com sua filha Márcia até o final da sua vida.

E o cinema??
O cinema foi vendido e nas mãos dos novos donos funcionou  um pouco mais de dois anos, dando lugar a uma grande magazine (loja de departamento), pondo fim à vida Gloriosa do Cine Vitória, deixando grandes Saudades.

2012

No dia 30 de outubro, após perder seus 2 filhos queridos, Marcilio e Marcelo o coração desta Mulher Guerreira e forte não aguentou e veio falecer aos 93 anos.

Sempre muita lúcida, independente, vaidosa e determinada, essa foi Maria Pinho de Castro

Fontes:

CASTRO, Maria Amélia. Biografia de Maria Pinho

CASTRO, Marcelo. “Um Cinema Chamado Cine Vitória”. Crônicas da Vida Real Bahia, Maio de 2007.

ALMEIDA, Norma Silveira Castro & TANAJURA, Amanda Rodrigues Lima. José Antônio da Silva Castro,  O Periquitão.   2ª Edição, Salvador: EGBA, 2004

Jornal “O Dever” APMC

Jornal “O Caetité” APMC

O Cine Vitória numa breve linha do tempo

O Pioneirismo do Cinema em Caetité

As primeiras experiências cinematográficas em Caetité surgiram no início do século XX com o Cinema Itinerante do Sr. Batista, que aparecia na cidade de quando em vez. Outra iniciativa foi o Cinema Íris, do Capitão Mesquita, instalado no Teatro Centenário.  Em seguida, veio o primeiro Cine Vitória de Guilherme de Castro, em parceria com o Capitão. 

Quem foi Guilherme de Castro?

“Este homem bem sucedido, de visão empreendedora, que inaugurou o 1º Cinema da década de 40 no alto sertão da Bahia, foi Guilherme de Castro. Tornou-se muito conhecido na região pelo seu pioneirismo e logo depois pela fatalidade do seu desaparecimento precoce (ainda moço aos 38 anos), num acidente aéreo em 1950, quando pilotava o seu avião em campanha política do seu correligionário, candidato a governador do nosso estado naquele ano eleitoral, Lauro Farani Pedreira de Freitas.

Guilherme era casado com Maria Pinho de Castro e possuía 7 filhos - 5 mulheres e 2 homens - Comandava diversos negócios no ramo do comércio, transportes, combustíveis da ‘Shell”, autopeças, veículos, agente/representante da GMC- Chevrolet, da Philips, da Cimento Aratu, dos Moinhos Salvador (farinha de trigo), etc. Ainda possuidor de uma natural liderança, inevitável e despretensiosa, não tinha nenhuma  intenção político-partidária, no âmbito  de exercer algum mandato. Mesmo assim, estava filiado ao PSD (Partido Social Democrático) da época, quando se vivia uma recente e tenra democracia.”

Marcelo Castro.  Um cinema chamado Cine Vitória. 2007

1ª Fase

Explore o valioso acervo de registros históricos do Cine Vitória e mergulhe na trajetória de um dos maiores ícones culturais de Caetité.

2ª Fase

Explore a segunda fase do Cine Vitória, um período de transformação que marcou uma nova era para o cinema em Caetité.

doc. 05- Ações MIS 2019- Ingresso do Cine.

Conhecendo o Cine

doc. 05- Ações MIS 2019- Ingresso do Cine.

O cinema “não é luxo, é necessidade!”, era o que se lia nos jornais caetiteenses. 

Revelando as dimensões simbólicas das experiências vivenciadas pelos amantes da sétima arte, a exposição “Um Cine chamado Vitória” apresenta um recorte da cinematografia no Alto Sertão baiano, a partir de relatos orais, matérias jornalísticas, objetos e outros vislumbres de um tempo repleto de memórias, histórias, afetos e saudade.

O cinema, em seus variados aspectos, é um ótimo meio de educação, pois nos mostra costumes, paisagens, cidades e tudo mais que há na Terra e que a maioria das pessoas em pontos recuados dos sertões não conhece e não vê. Mais interessante ainda se torna quando, projetando filmes de fundo moralizador, o cinema atrai a mocidade e a afasta dos antros de perdição, onde, diariamente, velhos sem escrúpulos pervertem corações generosos e caracteres sãos para seu gáudio.

Há pouco, entre amigos, expendi minha opinião e, como de costume, falou-se sobre o cinema local. Ele procura melhorar-se, mas as condições precárias do meio são um forte empecilho. Contudo, o espírito dinâmico de sua proprietária, a Viúva Guilherme de Castro, procurando concretizar os ideais de seu saudoso marido, adaptou um prédio na rua Barão, onde instalou o cinema da cidade. Se modesto, mesmo assim proporciona ótimo entretenimento à nossa população.

Está, pois, de parabéns D. Maria Pinho de Castro, ainda mais porque promete fazer reformas que mais satisfaçam ao público."

Cartazes

Explore o acervo de cartazes históricos e reviva momentos icônicos da história do cine.

Artistas

Descubra os artistas que deram vida à magia do cinema em tempos passados.

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Bilheteiras

Veja de perto como eram as antigas bilheteiras, onde começava a experiência de uma sessão de cinema.